Em entrevista ao jornal Correio Braziliense (DF), o presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Marcus Vinicius Furtado, defendeu a proibição de doações de empresas privadas para campanhas e a criação de mecanismos para baratear os custos e democratizar as campanhas políticas. “Diminuindo o preço das campanhas, não haverá gasto público elevado”, afirmou Marcus Vinicius, ao falar sobre a mobilização para reunir 1,3 milhão de assinaturas para o Projeto de Lei de iniciativa popular de reforma política. A proposta será elaborada por entidades da sociedade civil, entre elas a OAB e o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral.
Segue a íntegra da matéria publicada nesta terça-feira (19) no Correio Braziliense:
Reforma contra a inércia
O empenho da sociedade para interferir nos rumos da política cresceu de forma exponencial com o uso das redes sociais. E esse poderio popular será colocado à prova mais uma vez. Depois da Lei da Ficha Limpa, um sucesso de mobilização que reuniu 1,6 milhão de assinaturas, representantes da sociedade civil lançam hoje em Brasília o projeto para a Lei das Eleições Limpas. Diante da inércia do Congresso Nacional para aprovar novas regras de moralização dos pleitos no Brasil, o objetivo é fazer uma reforma política de iniciativa popular. O grupo que conduzirá o processo de coleta de assinaturas é o mesmo que idealizou a Lei da Ficha Limpa e inclui entidades como o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).
O movimento quer reunir 1,3 milhão de assinaturas em dois meses para enviar o projeto de lei de iniciativa popular ao Congresso até o fim de abril. A grande mobilização nas redes sociais em torno do abaixo-assinado contra o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), que conseguiu 1,5 milhão de assinaturas, motivou os organizadores. A ideia agora é incitar os cidadãos a fazerem uma campanha nacional em prol da nova lei, que tem como proposta central a proibição de que empresas financiem eleições no Brasil. A primeira reunião da comissão de elaboração do projeto de lei será promovida na manhã de hoje, na sede nacional da OAB, em Brasília.
Ao contrário das petições on-line, que são uma forma de protesto sem validade jurídica para os trâmites do Congresso, os projetos de iniciativa popular precisam das assinaturas em papel, que são checadas posteriormente. Apesar desse empecilho, os participantes estão otimistas. A coordenadora do MCCE, Jovita Rosa, acredita que a mobilização pela internet e pelas redes sociais será a chave para conseguir o envolvimento de toda a sociedade. “A Lei da Ficha Limpa beneficiou bastante o processo eleitoral e a gente vai continuar nessa linha de reforma. Hoje, reunimos 52 entidades e vamos brigar contra o financiamento privado de campanha”, conta Jovita.
A coordenadora do MCCE explica que as propostas de mudanças serão pontuais, para facilitar o trâmite e a busca por um consenso. “A reforma política é muito ampla. Não desistimos dela, mas caminharemos na frente com a reforma eleitoral, para a gente resolver pontos mais urgentes. O financiamento por empresas é definitivamente uma porta muito escancarada para a corrupção. Hoje, empresários não fazem doação, fazem investimento”, critica Jovita.
Pontos consensuais
A proposta de reforma política de iniciativa popular deixará de fora vários pontos que sempre são debatidos quando o tema entra em pauta, como o fim do voto obrigatório. O juiz eleitoral maranhense Márlon Reis, um dos idealizadores da Ficha Limpa e que agora encabeça o movimento Eleições Limpas, diz que a prioridade é incluir temas consensuais e de fácil tramitação. “Não vamos propor nenhuma emenda à Constituição nem mudança em legislação complementar. Nossa ideia é fazer alterações somente na Lei das Eleições e na Lei dos Partidos Políticos. Isso simplifica o trâmite e permite a apresentação de um projeto de lei ordinária no fim”, explica Márlon.
A aprovação de uma PEC deve ser feita em dois turnos, com o aval de pelo menos três quintos dos parlamentares. A proposta tem que passar tanto pela Câmara quanto pelo Senado. Por conta dessa dificuldade, os idealizadores do movimento vão deixar de fora temas como o voto distrital, mudança que exigiria uma alteração da Constituição. “Também não queremos dividir o movimento com posições polêmicas, com temas que não têm unanimidade na sociedade, como o voto facultativo”, acrescenta o juiz maranhense.
O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Marcus Vinícius Coêlho, recusa a utilização do termo financiamento público de campanha. “Prefiro dizer que defendemos um financiamento democrático de campanhas. Nossa ideia é impedir doações de empresas e criar instrumentos de barateamento das campanhas.”
Pesquisa feita pela Câmara dos Deputados com 1.073 pessoas mostrou que 57,5% dos entrevistados são contra o uso exclusivo de recursos públicos no financiamento das campanhas. “Diminuindo o preço das campanhas, não haverá gasto público elevado. Defendemos a possibilidade de financiamento de pessoas físicas até o patamar de cerca de R$ 500. O teto evita distorções”, acrescenta o presidente da OAB.
O projeto de reforma política tramita no Congresso desde 2003. O tema ganhou especial destaque a partir de 2005, durante o escândalo do mensalão. Apesar de a polêmica gerada pelo caso de grande repercussão, a proposta não foi para a frente. No ano passado, os parlamentares ensaiaram por várias vezes colocar o projeto, cujo relator na Câmara é o deputado Henrique Fontana (PT-RS), em votação. A proposta em trâmite na Casa Baixa é mais ampla e prevê mudanças que precisariam de alterações na Constituição.
Resistência histórica
As principais mudanças no sistema político brasileiro partiram de iniciativas populares ou do Judiciário. Confira o trâmite das mais recentes alterações da legislação eleitoral:
– Lei da Ficha Limpa
O projeto de iniciativa popular reuniu 1,3 milhão de assinaturas até 29 de setembro de 2009, quando os documentos foram entregues no Congresso Nacional. Depois disso, mais 300 mil cidadãos subscreveram a petição. O projeto foi aprovado na Câmara dos Deputados e no Senado e o então presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, sancionou o texto em 4 de junho de 2010. A Lei Complementar nº. 135/2010 passou a ser conhecida como Lei da Ficha Limpa.
– Reeleição
A proposta saiu do papel em 1997, durante o governo do então presidente, Fernando Henrique Cardoso. Por 62 votos a 14, o Senado aprovou a emenda constitucional que assegurou aos presidentes, governadores e prefeitos o direito a concorrer à reeleição para um único mandato subsequente. A aprovação da Emenda Constitucional nº. 16/1997 gerou uma onda de denúncias sobre a compra de votos para a aprovação da PEC. Uma CPI foi criada no Congresso para apurar o caso.
– Fidelidade partidária
As regras sobre fidelidade partidária foram fixadas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) por meio de resolução em 2007. Como não havia uma lei formal sobre o assunto, o que gerava diversas divergências, a Corte eleitoral teve que criar a Resolução nº 22.610, que disciplina o processo de perda de cargo eletivo e de justificação de desfiliação partidária. De acordo com o texto legal, o partido político interessado pode pedir, na Justiça Eleitoral, a decretação da perda de cargo eletivo em decorrência de desfiliação partidária sem justa causa.
– Verticalização partidária
Coube ao Tribunal Superior Eleitoral definir as regras sobre as coligações partidárias. Em 1998, houve uma determinação para que os partidos políticos reproduzissem nos estados as mesmas alianças firmadas para o pleito presidencial. Mas, em 2006, o TSE voltou atrás e determinou que legendas sem candidatos à Presidência podem formar coligações regionais.
– Transparência de doações
Essa é mais uma regra surgida no Judiciário. Uma resolução fixada em 2010 pelo Tribunal Superior Eleitoral estabeleceu as normas para a fiscalização das doações de campanha e para os gastos eleitorais realizados por candidatos, comitês financeiros e partidos políticos. Assim, doadores e fornecedores têm que prestar informações à Justiça Eleitoral ainda durante a campanha.
– Cláusula de barreira
Em 2006, o Supremo Tribunal Federal julgou inconstitucional parte da Lei nº 9.096, de 1995, conhecida como Lei dos Partidos Políticos. A norma determinava que as legendas que não alcançassem 5% do total de votos para deputado federal ficariam limitadas para utilização das principais benesses asseguradas aos partidos políticos: o tempo de propaganda na televisão e o acesso a recursos do fundo partidário. Com a queda da cláusula de barreiras, esses benefícios voltaram a ser divididos proporcionalmente ao número de votos recebidos por cada legenda nas eleições para a Câmara dos Deputados.
Fonte: Site OAB